Terça-feira, 31 de Julho de 2007

o que é a europa?

Numa altura em que se discute a constituição europeia, a sua impossibilidade, valeria talvez a pena pensar nas palavras. Sobretudo redireccionar a nossa atenção para o vocábulo europa. O que é a europa? Ou, mais radicalmente, a Europa é? Há um debate muito interessante, esquecido no seio da filosofia, acerca do significado da europa. Basta começar por ler Derrida, "O outro cabo", particularmente. A Europa, se olharmos o mapa do mundo, quase não existe. Ou, por outra, construiu a sua existência a partir da sua não existência, ou complexo de não existência. A Europa é um lugar pequeno, constituído por países pequenos. É uma espécie de significante à deriva, à procura do seu significado. É um lugar sem opinião formada, de opiniões, descentrado, multivocal. Um significante que entrou numa deriva histórica pelo mundo, que procurou noutros lugares o seu lugar, o seu império. Um lugar que se esqueceu de si. Grande parte da obra de Roland Barthes fala-nos sobre isto, de impérios de significantes perdidos. A Europa procura no outro o seu eu e perdeu-se pelo meio. encontra-se perdida na perdição do encontro. Encontro e (ex)apropriação. Apropriou-se do outro. estabelecendo aí a sua colónia.


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Sábado, 17 de Fevereiro de 2007

o padrinho e o apito dourado

http://www.youtube.com/watch?v=otJSxnqANlM&NR

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Sexta-feira, 19 de Janeiro de 2007

cavaco e as letras


á este ano vimos que o presidente Cavaco Silva é afinal bom no campo das letras ou, pelo menos, progrediu muito nos últimos anos. foi à Índia e regressou com um, imagine-se, doutoramento honoris causa em letras.  pensava-se que o homem não tinha qualquer noção de literatura, chegou mesmo a confundir o Thomas Morus com o Thomas Mann. andava a ler a "Utopia" de Thomas Mann, segundo ele. isto praí em 94. depois ainda, permitiu que um seu secretário de estado, Sousa Lara, censurasse o "evangelho segundo Jesus Cristo", e acabasse por fazer com que o nosso nobel fugisse para espanha.

fernando


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Sexta-feira, 12 de Janeiro de 2007

libertar trabalhadores

o mais impressionante que ouvi o ano passado foi a respeito de política.
tem a ver uma entrevista concedida pelo ministro das finanças Teixeira dos Santos a um canal público de televisão sobre a tão prometida dieta para o sector público estatal.
a certa altura e a respeito do direito ao trabalho, arrisca a substituição do sentido da palavra liberdade. para o actual ministro das finanças liberdade quer dizer despedimento, ou melhor, despedimento é que quer dizer liberdade. o ministro prometeu aí libertar 75 mil trabalhadores do Estado. como se estivessem presos algures. mas não, ninguém tinha sido preso. a verdade é que não era essa a tragédia. o problema era outro.
o surgimento dessa palavra naquele contexto, a tal dieta prometida do Estado para si próprio, ganhava um novo e terrível significado. agora, quando alguém for despedido por alguém já pode sentir-se um pouco melhor, mais feliz, afinal acaba se ser libertado. ficar até muito agradecido.

fernando

publicado por ... às 16:44
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Sexta-feira, 14 de Abril de 2006

3º mundo

 

porque será que as crianças deixam de ser crianças? é uma questão em aberto em portugal, um lugar onde não é proibido maltratar as crianças. será que é um fenómeno característico do subdesenvolvimento?
devia ser possível inventar a forma de uma criança deixar de ser criança sem abandonar o mundo das crianças, para que se pudesse defender dos adultos, que não fizesse somente perguntas. mas isso não era ser criança, infelizmente isso não é possível.
um adulto é uma espécie de criança ressabiada que não soube envelhecer, que se precipitou, que fugiu, que ouviu falar que se morria, que se esqueceu de perguntar sempre e de habitar o mundo com curiosidade, pela primeira vez.
o adulto pensava que já tinha feito todas as perguntas possíveis, que já podia responder, dar conselhos, indicar o caminho, fazer uma religião à volta dele e bater nas crianças, se elas se portassem mal, maltratá-las. os adultos estão malucos. é por isso que ele, a criança que abandonou o mundo das crianças, quer voltar ao mundo das crianças. maltratar as crianças para ganhar o dia, com dinheiro no horizonte. uma espécie de jogo do monopólio das crianças com dinheiro autêntico.
o adulto é aquele que só pensa no dia que recebe o salário, o prémio do jogo, o nobel. que só pensa no seu futuro e no sistema que o gere, ao ponto de trabalhar de uma forma absurda para que ele se perpetue, longe daquilo que realmente é o ser (criança). faz isso ao ponto de se transformar num imbecil todos os dias. e no auge da imbecilidade maltrata as crianças e é desculpado por uma lei e um tribunal também imbecis.
um adulto não pode voltar a ser criança. não nasce todos os dias. salvo os esquizofrénicos. quando chega a casa ou ao trabalho e a troco de dinheiro pode maltratar uma criança? e ser desculpado? porque neste país as crianças são bodes expiatórios dos delírios materialistas dos adultos, desculpam-se os adultos como se estivessem a nascer todos os dias.
a vida deve ser honesta, depende dos problemas por resolver entre os adultos. os adultos são responsáveis, podem ser julgados, podem defender-se. já não são crianças, nunca mais irão ser. a brutalidade dos adultos deve ser resolvida entre si, as crianças não podem ser o palco do espectáculo brutal que é ser adulto e velho.

é por isso que todo o discurso acerca das crianças resulta um pouco absurdo, e ainda bem. Nas asas do desejo, o discurso do bibliotecário, em berlim , ao pé do muro e na biblioteca, dá que pensar. 

fernando


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Quarta-feira, 5 de Abril de 2006

a 40 graus de latitude norte.


lembrei-me de ti naquele dia por causa da palavra "olá",
regressar de uma noite quente e agitada de Abril tem também destas coisas.
não posso evitar lembrar-me
neste lado do mundo,
de te dizer "olá".
é que não consigo evitar as coisas que acontecem, mesmo as mais pequenas dores
ou paixões.
por isso, quando pensares em mim, pensa "está tudo bem".
não precisas de fazer a pergunta.
está tudo bem porque venho de um meio onde não se acha necessário ter ou ser uma coisa que não nos pertence.
espero não ter enganado ninguém
nem aqueles que porventura mereçam ser enganados,
nem ter alimentado expectativas e ambições desmesuradas a quem não consegue outro tipo de alimento.
quero apenas estar no mundo da forma que eu achar mais correcta.
tinha que estar tudo bem.
não tenho o direito e a obrigação de achar outra coisa acerca de mim.
as coisas são assim.
é inevitável.
começo a adoptar a máxima de que está tudo bem porque vim ao mundo
sem nada mais.
quero estar nele e sair dele sem nada.
não queria viver noutro planeta.
nem de outra forma.
vivo no melhor dos mundos,
apesar de não gostar muito da sua história.
digo isto porque é bonito vê-lo do espaço
e imaginar o que seria dentro dele se fossemos diferentes.
eu era incapaz de imaginar outro mundo com toda esta simplicidade e esta complicação.
não o faria redondo talvez.
quem imaginou este, talvez por acaso, imaginou-o bem.
talvez não tenha sido feito sequer.
talvez o imaginasse parado,
e sem vida.
não conseguiria imaginar a vida
ou evitar o sofrimento.
talvez ninguém morresse no meu mundo.
talvez não fizesse pessoas.
e se fizesse talvez não tivesse imaginação suficiente
para lhes pôr olhos que me vissem,
ouvidos que me escutassem,
ou mãos e tacto suficientes para que me pudessem abraçar e sentir.
o que digo é que há ainda demasiadas coisas bonitas no mundo
que desconheço,
que me fazem ter vontade de ainda acordar amanhã.
é pena que às vezes não saibamos aproveitar
esse dom extraordinário que é estar vivo
e ainda não ter sido preso
ou estar preso a papéis sociais que muitos de nós sentem o direito
ou a obrigação de representar quotidianamente.
Não sou actor nem autor da melhor forma das coisas aparecerem,
embora já tivesse topado que não ando aqui
para agradar aos ambiciosos.
e podes acreditar que esta luta é desigual.

fernando


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Sexta-feira, 17 de Fevereiro de 2006

a grande e pequena europa

papa joão paulo II.jpg

antónio (in jornal expresso)

hoje há um grande problema no mundo. é evidente que há outros. mas, no meio de muitos outros problemas, como fazer com que duas civilizações se entendam, a europeia e a árabe?

o ministro dos negócios estrangeiros português parece ter uma solução, um campeonato de futebol.

rídiculo, como ridícula e violenta tem sido a história de todos os diferendos intercivilizacionais, onde o ocidente tem tido permanentemente o principal papel, desde a fundação do cristianismo. Em termos cinematográficos tem sido o produtor, o argumentista, o cineasta, o principal actor, o distribuidor, etc. o filme acaba sempre mal, com o ódio dos vencidos.

esta sede de poder ocidental, de alargar a sua propriedade, a sua influência, os seus recursos energéticos, americana por exemplo, é herdada da cultura europeia. derrida explica isso na sua obra "o outro cabo". a europa é um cabo da ásia. é pequena. no entanto, é esse o caso, quer recuperar a grandeza que nunca teve, depois do fim do colonialismo. e hoje a sua única grande arma é a diplomacia da sua (des)união multivocal e contraditória cada vez maior, que a faz estar ao mesmo tempo ao lado da américa e dos árabes. essa grande arma fá-la ficar, no entanto, sempre ao lado do seu filho poderoso, a américa. conseguiu resolver os problemas a leste, com dinheiro, e esses seus filhos voltaram cabisbaixos, abandonados e falidos.

o problema é que os árabes não são filhos da europa. não lhe devem nada e não querem nada dela, longe disso. têm a sua própria família, a sua própria história, os seus recursos. e querem ficar com o que simplesmente lhes pertence.


ps. há uns anos antónio, o cartonista do jornal expresso, pôs um preservativo no nariz do papa, a comunidade cristã indignou-se. ou seja, os que agora se intitulam detentores da tolerância e defensores da liberdade de expressão não o foram no passado. revestem-se da mais pura hipocrisia.


fernando


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Domingo, 1 de Janeiro de 2006

1-1-2006

Não deixes que o ano findo se despeça de ti
como uma bomba lançada pelos os estados unidos da américa,
ou que o novo ano que agora começa seja mais um contrato precário com mais uma multinacional americana.
porque tu já sabes o contrário daquele poema que tu gostas,
A américa não tem ideais.
é um território sem ilusões nem utopias.
lá a verdade não é um decreto
nem a vida é verdadeira.
Porque não há mãos dadas ou confiança entre os homens.
Todos os dias da semana são de desconfiança
e muito mais cinzentos que as terças-feiras mais cinzentas que citavas.
Não há o direito de converter esses dias em manhãs de domingo.
Não existem manhãs nem domingos.
Não poderias sequer vê-las caso existissem
porque as tuas portas e janelas permanecem o dia inteiro fechadas.
Não há esperança
nem existe o reinado da justiça e da claridade.
Lá o mundo será sempre feito de mentira e redundância.
E por isso não serás livre nem construirás nada a partir dessa redundância e dessa mentira.
Os americanos continuarão a mandar no mundo.
Não pactues porque terás apenas à tua volta uma couraça de silêncio
e um cálculo matemático frio
que não te deixarão ouvir as palavras.
Elas morrerão todas depois de saírem dos dicionários
e afundar-se-ão juntamente com as beatas (de cigarro) nos interstícios da calçada da rua
calculada.
Neste pântano de mentira e de engano
tu não te sentarás à mesa com o teu olhar limpo
porque a verdade não será servida
nem antes nem depois da sobremesa.
Não será o jantar nem o café que tu tomas.
Não haverá comida nem café com o mesmo gosto da aurora.
Haverá saudade e tristeza em vez de alegria para sempre.
Essa será a tua bandeira generosa.
A tua maior dor.
O teu suor não trará pão para o Homem
porque lá o homem é um animal que se vinga no outro homem.
Não esqueças que só lá o ódio será belo no teu mundo.
Serás obrigado a proibires-te de brincar,
inclusive com os tais rinocerontes que temes estarem já extintos.
Caminharás pelas tardes sem flores para empunhar.
e internar-te-ás numa noite qualquer onde o medo te assaltará.
E só com dinheiro poderás sair da noite
para comprar o sol das manhãs que ainda não vieram
ou para comprar o direito de cantar na festa da chegada dos dias
onde moram as manhãs.


fernando

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Sexta-feira, 4 de Novembro de 2005

discurso de estado

ah, que futuro e que passado.
que lastimável o fim do caminho,
a teia que te enreda.
e que engraçado,
vê o contentamento de todos os que te elegeram inimigo,
olha,
olha como se interessam pelo sucesso económico do futuro.
repara como têm futuro.
repara na rede de relações que estabelecem entre eles.
aquilo tem uma lógica.
o triunfo económico.
vê como estabelecem contactos só para isso.
lembras-te daquelas palavras feias que te disseram?
não és ambicioso,
não tás feito para triunfar numa economia de mercado.
não queres.
e é por isso que te digo,
que essas palavras não eram feias.
eram palavras deste mundo.
sabes, este mundo que tu detestas é o único mundo existente.
estava cá antes de ti.
e essa é a razão porque te refugias cada vez mais
nesse reduto feito do isolamento que te isola.
é um deserto que não te dará nada.
vê como nem sequer tens já dinheiro para beber um café
ou comprar tabaco de enrolar.
é por isso que te digo,
imagina que sou teu pai.
ou mais que isso,
imagina que sou o estado.
vou dar-te um pequeno conselho,
não fumes.
vai trabalhar.
já pagaste os teus impostos?
estás desempregado?
a culpa é tua.
ah! estás a estudar.
ainda não pagaste as propinas?
não?
o teu pai que as pague.
tem o empréstimo da casa e do carro?
ah! já morreu?
que pena.
tu julgas que o mundo não tem obstáculos?
tem,
e tu não tens o direito de os ignorar como tens feito.
tu não tens os direitos que estão consagrados na lei fundamental,
porque são apenas palavras que apenas indicam intenções,
direcções e caminhos que não te levam a lado nenhum.
já te disse, arranja algo que fazer.
vai prá tropa,
fica em casa,
mas não te revoltes.
não arranjes mais problemas.
ajuda a tua mãe.
não saias à noite.
não te metas na droga.
porta-te bem.
não andes por aí a partir tudo.
não te preocupes.
olha para os mais ricos,
a ordem estabelecida,
empresarial.
já olhaste?
e não viste que és um número?
não te esqueças.
lembra-te daquela lição de física,
as coisas não podem voltar para trás.
não questiones o mundo acerca de coisas impossíveis.
além disso, tu és apenas uma coisa pequena,
um ponto minúsculo no universo,
insignificante,
um grão de areia.
não tens importância nenhuma.
mantem-te calmo.
não te manifestes.
lembra-te que podes votar.
age civicamente,
dentro dos parâmetros que não estabeleceste nem controlas.
acredita no sistema,
de quatro em quatro anos ele funciona.
pode ser que tenhas sorte.
por exemplo, agora.
não acredites em rupturas,
pode ser que fiques pior.
olha aquele neokantiano americano, john rowles.
lembras-te?
este é um mundo de egoístas.
não tens saída.
tu não conseguirias,
apesar da tua força.
não gostes de aventuras.
sê um social democrata.
tem calma,
não faças como os jovens franceses.
joga no totoloto, pode ser que te saia.
vai a fátima, não te incompatibilises com a fé.
acredita, acredita sempre.
pode ser que Deus exista,
porque tu sabes que o estado existe.
há milagres.
cristo foi capaz de matar centenas de porcos de uma só vez.
ninguém mais conseguiu tal façanha.
não, não, estou enganado.
os americanos também conseguem.
olha os japoneses, como aprenderam.
eu sei que podes não concordar.
mas não te manifestes nunca.
o mundo pode ficar chateado com a tua não concordância.
não procures pelo sentido.
sê uma pessoa normal.
olha para todos aqueles que triunfaram com pequenas mentiras.
têm família, são felizes.
optaram, afinal de contas.
tu podes dizer que tiveram medo,
mas o que é um facto é que se integraram.
não critiques a falta de coragem, porque ela é a coragem.
sim, experimenta.
muda de lugar e olha bem para ti.
estás a ficar velho.
o cabelo vai começando a cair, um a um.
não dês exemplos.
os exemplos que dás já morreram.
o tempo passa,
passará por ti também.
não sejas ideaslista, a filosofia está em crise.
lembra-te daquele músico do Porto,
37 anos...
filho de professores primários,
deixou de cantar aquela música que tu gostas.
o FMI aterrou mesmo no aeroporto da Portela.
é a vida.
há que aterrar,
descer à terra.
as tuas asas, essas sim, nunca existiram.
não queiras ficar na história impossível e irreconhecível do teu mundo.
porque no teu mundo não vive ninguém nem há dinheiro.
vê o exemplo dado pelos suíços.
são importantes,
apesar de viverem daquilo que roubam.
já ninguém quer saber a proveniência das coisas.
não existem causas.
repara, basta este exemplo para te provar a crise do teu mundo.
a utopia de que tanto falas não passa além do montante do teu salário.
não queiras salvar nem socorrer o mundo,
deixa isso para os bombeiros, para a polícia.
o mundo está pronto e acabado.
bebe antes um copo de vinho depois das tuas refeições diárias.
dá graças para que sejam duas em vez de uma.
não te questiones se de repente as duas se tranformarem em nenhuma.
não faças greve.
planifica o teu futuro.
tu és bom a arranjar consensos contigo mesmo.
muda.
sê de plástico.
substitui os teus camaradas por amigos.
reza todos os dias por eles,
vai à missa
arranja um método,
aquele método de gostar de tudo,
de não fazer perguntas.
não ignores aquilo que em ti te ultrapassa.
há uma distância irresistível entre ti e as coisas que te rodeiam,
e isso faz com que não possamos mais falar a mesma linguagem se não mudares.
e é por isso também que eu te digo agora derradeiramente:
olha, estou com pressa...

fernando

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Quarta-feira, 3 de Agosto de 2005

Os mortos que regressam...

Não é bom ver os mortos regressarem ou quererem regressar. Os mortos são e estão mortos. Devia ser assim, porque há uma grande diferença entre o ser e o dever ser. Acerca dos mortos devia ser imposto não regressarem. Há uma lei física sobre isso, o tempo é irreverssível. E se o papa João Paulo II regressasse? Ou se os nossos camaradas regressassem? Se Álvaro Cunhal ou Vasco Gonçalves regressassem? Para quê? Quando morreram já estavam velhos, já não conseguiam acompanhar o mundo. estavam sem força e não compreenderiam. Aliás, o primeiro nunca conseguiu acompanhá-lo e os outros a certa altura foram ultrapassados pelo mundo, pelo desejo, pela plasticidade. Não havia nada a fazer, nem a dizer.
Soa tudo a falso, qualquer tentativa de regresso. Devemos manter um certo silêncio sobre o seu descanso, recato, deixá-los em paz, se não quiserem voltar. São mortos, não têm direito de resposta, de réplica, como se diz na política. Não se diz mal de um morto recente. Nem devemos sequer incitá-los a regressarem. Nem eles devem pensar que algum dia voltarão para reporem o filme.
Passa-se isso com Mário Soares e Cavaco, mortos que regressam, salvadores da pátria. mas que pátria? É certo que não são mortos ainda, são vivos. Mas estão mortos, já caminham para lá. Porque há uma grande diferença entre ser e estar na língua portuguesa. E ainda bem, há coisas que conseguimos compreender melhor sabendo essa diferença. Estes velhos não vão ter tempo de ver o resultado da sua acção. Não podem ser julgados. Veja-se o velho assassino, Pinochet, senil, já não se lembra de nada. E é por isso que podemos dizer que o passado vence o presente e o futuro com o seu regresso.

fernando

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Segunda-feira, 1 de Agosto de 2005

O FOGO NÃO TEM PALAVRAS

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fernando

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Terça-feira, 26 de Julho de 2005

Age, não esperes demasiado tempo

Viver sabiamente é também estar aí, no meio da complexidade toda do mundo, com uma certa noção, pelo menos, do movimento que as coisas descrevem. Não tenhas medo desse movimento, isso é a política. Mas tem consciência de que é um movimento. Tenta voar acima da política como um pássaro com todos os seus recursos, voa alto. Não te esqueças de agir segundo a liberdade, a tua "vontade boa", não ligues nunca a aparências. Age de acordo com o dever. A tua passagem pelo mundo, sendo pequena, dirá o resto. Não te importes com a rede de interpretações. Não desistas.
Trocando em miúdos, resiste... não esperes demasiado tempo passivamente. Tu não estás morto. E, por favor, não fiques louco, não deixes que a tua mão esquerda se confunda com a direita, nem que esta se imponha no mundo. Podes ficar cansado e, pior que isso, todos podem ficar cansados, eu posso ficar cansado. Ter uma certa paciência é bom, mas se o problema está aí, age na altura certa, já. Que essa altura seja aquela em que tens unicamente em conta uma única coisa, uma ideia rara, nunca tenhas medo. Sê como um felino quando defendes uma ideia da razão. Nunca sejas cobarde.

fernando

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Quinta-feira, 7 de Julho de 2005

Mais um

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(Autor Desconhecido - wtc. gif)

Como poderá o Ocidente realizar o seu ideal europeu sem explorar o outro? Impossível. A Europa é por definição "exploração do outro", mesmo do outro que há em si própria. É a natureza de uma identidade continuamente obcecada com a economia, com as centésimas dos números, com o consumo, com a classe média, com a aparência, a especulação. Como poderá acontecer algo assim, transcendente ao Ocidente ou à Europa no interior do Ocidente e da Europa? Sem que percam o seu carácter, sem se desviarem um milímetro de si próprios, sem se tornarem algo de diferente, outros? Impossível.
Existirá ainda elasticidade cultural no meio do betão que o Ocidente construiu em redor de si?

fernando

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Quarta-feira, 29 de Junho de 2005

O défice

melvin80.net.jpg
(melvin80.net.jpg)

Só há um facto,
uma realidade,
um défice,
um buraco,
um vazio,
uma falta,
uma ferida escondida na sua história,
uma patologia.
É uma saudade imensa
no colo
de uma vontade pequena.
A sua soma,
uma conta errada.
O fado...


fernando

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Sábado, 14 de Maio de 2005

A actual situação actual

pisam.jpg(pisam.jpg)

fernando

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Segunda-feira, 25 de Abril de 2005

POEMAS para ABRIL

I
vieira da silva.jpg
(vieira da silva)

Depois do adeus,
continuei a ouvir-te atentamente,
tudo o que disseste
e tudo o que não disseste
e não quero ouvir nem ver mais.
Não quero dizer-te,
nada.
Já não sei a quem dizer que amo as ideias iniciais,
que preferi pensar sozinho na poesia que já morreu,
que tu me prometeste num poema para ti.
Um poema sem medo e sem rima.
E digo,
apanhaste-me a dormir todo este tempo.

Não quero escrever coisas parecidas com as tuas.
Não sou a vingança fria nem morna.
Já não acredito sequer nas tuas palavras,
flores de plástico vermelhas,
que tu nem sequer sabes como empunhar agora.
Há que ter uma certa dignidade,
mesmo quando caímos ou nos sentimos enganados
não deixamos de ser quem somos.

A tua poesia era melhor quando coçavas a cabeça, acho eu.
Este talvez também não seja o meu melhor poema,
para tu guardares na pasta dos teus trofeus.
Mas não direi como tu amor
que não amas,
nem as palavras morrerão na minha boca como na tua
boca de chumbo,
pele lisa,
corpo duro de plástico.
Mas ficas bem na bandeira
lugar que tu não medes,
não sabes medir.
Talvez por isso sintas falta do cálculo,
da economia.
Ah! esquecia-me dos teus olhos.
São buracos opacos,
não dizem nada.
Procuram apenas o fetiche da mentira repartida por dois.
Mas não faz mal.
Os buracos tapam-se.
O da esquerda tapa-se com o da direita.

Recuso-me a dizer o teu nome,
a pronunciar a palavra,
o dia.
Quando nasceste libertaste a palavra.
Mas ela de uma forma secreta tornou-se corrupta,
quase com ciência.
Mas essa ciência nunca conseguirá matar a utopia,
Por isso, calculaste mal o grau da minha dependência,
enganaste-te.
Porque eu já vi coisas terríveis e feias acontecerem antes daquele dia.
A minha memória impede-me de querer voltar a ver a palavra aprisionada.
A liberdade.
Porque é sempre assim,
depois do adeus.
Não sei o que dizer acerca disto,
de mim e de ti,
31 anos depois.
E isso não é maravilhoso.

Para quê saber que não morri,
se isso não interessa?
Tenho medo de não ter medo,
mas arriscar até a sua própria felicidade é tudo.
Ser é preferível a estar aí para ser acariciado.
O mundo sobrevive sem isso e sem o choro e o carinho que tu precisas.
Não será mais importante saber porque morrem tantas crianças
nos braços tristes de quem chora?
Não será isso mais importante que os teus dentes novos?
Para tu sorrires melhor,
não precisas de dentes novos nem de sorrir para seres tu.
E as mãos, já olhaste bem para as tuas mãos?
Nada lhes tocou e elas parece que não tocaram em nada.
Sim, porque as manhãs não se limitam a um abrir de janelas
com autocolantes revolucionários a caírem
e a réplica da comida guardada para dois na estante vazia.
Que esperas?

Quando não se gosta sabe-se,
o mundo não consegue ser seduzido assim,
com o perfume inimputável que tu gostas.
Um quarto de hora não chega para mudar algo que tenha sentido.
Mas pode chegar para ti.
O absinto pode fazer-te ganhar a coragem que tu confundiste sempre
com egoísmo.
Mas só com cobardia não se consegue sequer mudar de cuecas, sabes.
Não mintas porque acerca das noites nada sabemos.
Nem mostres a bomba de ar pousada no tijolo para tu chorares
quando me vez lá.
O ar que toda a gente merece é sagrado.


II
Porque as palavras são ainda palavras.
Se as abres para dissipar o cheiro diário do prazer da noite e da manhã
o problema é teu, não das palavras.
Eu sei que as palavras mentem sem ninguém lhes pedir.
São sinais, tal como o teu quisto nas costas,
ficou lá a marca.
Mas é melhor saber que ainda não morreste.
Porque podes ainda mudar.
Eu sei que é difícil.
Não é fácil acordar contente.
É um facto que não é proíbido não construir nada para os outros.
Basta seduzir todos os que se encontram à tua direita,
enquanto os outros constróem casas para todos,
e ficam cansados.
Esse é aliás o momento que tu calculas e geres
o tempo da vingança gratuita.
A altura ideal e segura,
é aquela em que tu pensas de forma que possas dizer a alguém que eu morri.
Que eu sou isto e isto está morto para ti.
Enganaste-te porque tu não sabes nada acerca de flores verdadeiras,
Porque tu não tens o carácter dos sobreviventes.
É preferível servir o pelotão de fuzilamento,
parecem em maior número.
Mas trata-se de um pelotão onde ninguém consegue acertar no alvo.
Extraordinário, não é?
Sabias que ninguém merece morrer?
É simples.
Ninguém morre na vingança de ninguém.
Por isso, eu próprio não te deixarei morrer.
mesmo que agora sejas de plástico,
quero dizer-te que ainda resisto e que a força visita quem tem coragem.
O mundo verdadeiro é só feito de coragem.
Não sei mais nada.
Apenas me restam palavras sem sentido agora.

Afinal o futuro foi vencido pelo prazer
e pelo egoísmo do cálculo que fizeste.
O teu hedonismo que se diz e expressa rapidamente
com as palavras e os gestos que tu apenas usas,
como equações.
O mundo não se resolve projectando nem transferindo nada.
Porque também assim se domesticam os cães.

Sim, gosto das tuas mamas.
Sei que isso para ti é importante.
Podiam ser maiores.
Mas não é isso que te quero dizer.


III
Quero-te dizer que tu és uma palavra
onde eu caí e esperei.
Ainda que a palavra não se tornasse concreta
e não me procurasse.
E compreendo que em vão te achei aí onde nunca estiveste.
Não sei sequer se existes.
Não sei se tu própria sabes que existes.
Mas se não existes que te procures num futuro verdadeiro
e te aches maravilhosa,
em ti mesma.
Mas não na palavra que os polícias sabem dizer melhor,
segurança.
Porque não é seguro o salto urgente e arriscado que é preciso dar,
porque não é necessário para ti.
Eu imagino toda a ciência dos gatos nessa palavra,
o salto redondo e completo.
Mas tu calculas o seu adiamento.
E o tempo passa e esqueces os pássaros
e o céu.
E calculas mais uma vez
um beijo frio e um abraço.
Um prato servido ainda quente está cansado e fica frio,
está à minha espera.
Mas não morre tão depressa quem habita Saturno.
E os teus olhos olham na calada e também esperam.
Tudo espera pacientemente.
E tudo te impede o movimento perfeito,
para o futuro verdadeiro.


IV
É a beleza que já não está no mundo que habitas.
Foi toda vomitada de uma forma também perfeita.
O perfume e o creme que usas nunca conseguiram perceber o teu problema
e juntar-te para que tu pudesses dizer finalmente a palavra
eu sou eu ainda.
E eu sou racional porque sinto o frio da tua solidão
e não posso mostrar-te,
porque há um mundo maior que nós
onde só a utopia consegue entrar.
Maior ainda que Deus e Freud juntos foi aquilo que prometeste.
Não vamos falar desse mundo porque não há lá nada.
Nem a verdade precisa de apóstolos ou profetas.
A verdade não precisa de ninguém.
Só a mentira é feita desse plástico com que tu te revestiste.
É evidente que sei ainda distinguir a esquerda da direita,
eu sei coisas terríveis.
E não acredito que sejamos todos assim neste país,
neuróticos ou psicóticos.
Saber isso não devia dar emprego a ninguém.

Eu sei que podia ser mais alto.
E até ser alguém fora daqui.
Mas nasci quando o homem foi à lua.
Fiquei espantado com isso.
Como foi possível?
Mas não consegui crescer mais porque é preciso estar programado.
Não consegui ficar maluco.
Posso ainda contar até dez
e plantar árvores, fazer um jardim, plantar cravos, etc.
Não só imaginar,
eu sei construir a beleza.
Ver como surgem as flores para te oferecer quando fazes anos.
Olha, não posso dizer-te mais nada.
Posso dizer-te que mesmo os cães precisam de carinho.
E já estive cansado nos teus braços,
e tu nunca compreendeste que a força tem limites.
Tal como o amor não é uma banana descascada para tu comeres,
nem depende de um estágio profissional bem remunerado.
O mundo é bem maior que nós e que tu.
A minha cabeça não está preparada para mentir nos olhos.

O problema é que não sei nada,
nem como amar duas coisas.
Tu e a tua sombra são coisas opostas.
Por isso paro por aqui.
E tu tens todo o direito de tentar fugir para longe de ti.
E eu quero já que tu fujas do medo facilmente,
Costuma-se arranjar um cão para isso,
que nos receba sempre com a língua de fora.

Agora é melhor ficar só,
e reconcilia-me com a verdade do futuro,
e com todos os que nos quiseram matar.
Mesmo aqueles que me quiseram matar só a mim merecem ar.
Quero ser só eu para já,
no medo.
Como Saturno.
E sinto que uma mudança se opera no medo
e não tenho medo do medo.
Há uma certa dignidade também nisso.
Mas não é isso que te quero dizer.
Quero-te dizer que estou com pressa,
vou comprar um cravo para tu pores na lapela.
E quero dizer que se um dia for rico também te empresto vinte e cinco euros.

V
Nunca mais foste a mesma depois de teres perdido a flor que te dei naquele dia,
novamente.
Tens 31 anos, eu sei.
Descobri-o por associação de ideias.
Juntei os paus, como se costuma dizer,
e tu já nem sabes esperar.
O que se passa é que naquele dia tinha ido à minha terra com um amigo.
Cheguei atrasado e achei estranho.
Ainda me sinto estranho a mim próprio.
É que ainda não tinha juntado os paus.
Depois percebi que não vale a pena acreditar mais.
Que nada existiu nesse dia.
E nunca existiu.
Mesmo as flores já não têm o perfume que nunca tiveram.

É por isso que te pergunto muitas vezes,
Quem és tu e quem sou eu?
E vejo que as palavras não chegam sequer para ti
para te dizer quem sou e quem és.
É que, não sou de papel, é impossível.
Não consigo dizer aqui quem sou eu nem quem és tu.
Sobrevivo a esse escândalo do diagnóstico dos meus sintomas e dos teus.
Eu sou eu e tu és tu.
Mesmo que combinadas de todas as formas do mundo
as minhas palavras e as tuas devolvem-me apenas o silêncio.
E fujo assustado das margens desse rio sem nome.
A água está parada e fria.

VI
Outra coisa, os teus discursos anuais,
porque não choras todas as palavras bonitas,
que disseste só para agradar?
Elas desperdiçaram-se na tua boca?
Guarda-as para ti, só para ti,
em vez de as lançares todas nesse pantano da mentira,
como pedras num embrulho de plástico.
Já foram flores,
E já foram cravos verdadeiros.
Eu sei, talvez.
E o perfume... não consigo esquecer o perfume que perderam em cada dia.
Que passem os dias.
Eu espero apenas que passem.
Por isso, não quero mais celebrar o dia em que nasceste,
nem dizer nada acerca da flor que te dei,
que tu foste.
Ela murcha e morre nos discursos bonitos que todos te fazem e que tu fazes,
para passares mais uma noite e um dia sossegado,
no teu buraco.
Assim, eu só reconheço apenas a verdade dos discursos que caem
no silêncio,
porque as palavras mentem até a si próprias.

Porque não desistes?
Sim, porque não desistes?
Afinal, o cerco das metáforas mortas que tu embrulhas nas palavras
está completo.
O teu dia foi sendo ultrajado, mesmo pelas palavras que nunca se disseram,
que vêm do futuro e do passado.
É normal, dizes tu.
E o futuro.... , mataste-o com os teus jogos de palavras.
Sim, porque elas se podem dizer agora,
E podemos até jogar com elas,
mas as palavras já não dizem nada porque se escondem atrás de si próprias.
E já nem sequer são de papel,
o papel recusa-as.
Elas agora já não precisam de permissão para entrarem no mundo, sabias.
Mas tu insistes em escondê-las atrás dos seus significados.
Nada é pior que uma metáfora mal feita.
Sabes, tu não nasceste para traíres as palavras todas que dizes.
O mundo não está louco.
Nem tu podes arrastar silenciosamente as palavras atrás de ti e de mim,
porque isso pode levar-nos à loucura.

Quando olho para ti vejo que os teus olhos não olham para lado nenhum.
Não brilham,
são opacos,
Escondem as tais palavras com jogos e senhas.
E é por isso que não percebes nada acerca das flores verdadeiras,
que não são de plástico.
Eu sei que mesmo o amor que me deste era desse plástico.
Não cheirava sequer a nada.
E é assim que eu nem me lembro já muito bem
como se desenrola a história do amor verdadeiro,
nem quero recordar o cheiro que nunca teve, sabes.
Sei apenas a primeira palavra e a última,
porque sei que antes de mais essa história começa e acaba,
com uma palavra verdadeira.

É por isso que gosto de estar aqui sem ti agora.
Estar só não quer dizer nada,
não te assustes,
se o caminho é o caminho verdadeiro.
A verdade que tu não gostas, sabes,
não é isto e aquilo, ela não é perversa.
E quero acreditar que pelo menos não tenho já a tal sombra atrás de mim,
das flores de plástico,
que me enlouquece.
Não é a luz,
mas a sombra também daquele teu olhar sem luz nenhuma,
que me persegue.
Um buraco que se constrói meticulosamente sem eu saber,
que agora sou eu o buraco.


VII
Sabes o que é uma pessoa?
Sabes?
E não ter ninguém a quem dizer e confiar isto?
É como estar casado com o nosso próprio silêncio,
que não conseguimos dizer.
É assim esse silêncio desesperado que nos acompanha,
adormece e acorda connosco na cama.
Vive mais um dia,
e outro,
e outro...
Sempre um dia que destrói mais um dia.
Um dia que destrói o dia em que nasceste,
hora a hora, minuto a minuto.
Um dia que me destrói a mim,
sobretudo quando estou cansado,
preciso de ajuda,
e tu te ausentas.
E se adoeço,
e tu não me visitas?

E é por isso que atrás de mim está já o presente todo e o futuro,
o meu tempo.
As horas e os minutos que o constituem,
são o silêncio de ti e de mim que me acompanha,
a tua indiferença,
E eu tenho o teu cravo na lapela e não entendo porquê.
É um presente onde eu já não estou.
Sim, estou apenas a despedir-me.
E despedir-me é uma tristeza, sabes.
É uma etapa que se cumpre.
Mais uma.
Quase posso dizer que a missão está cumprida,
e falhamos.
Não voltarei mais a empunhar a flor que fizeste nascer,
que te dei depois naquele dia,
a flor que tu foste.
Se calhar um dia vou olhar para ti e não ver nada,
ou vou recomeçar a ver.
Se calhar.
Mas talvez nunca entendas o que te quis dizer.
Por isso, mesmo aí talvez não tenha tempo de te explicar
o que me passou pela cabeça.


VIII
11.jpg
(S/A)

Eu pensava que a flor que nós cuidávamos não era de plástico,
que era verdadeira.
É por isso que tudo isto é uma doença enorme,
que se repete todos os anos,
cumprindo-se sempre da mesma forma.
O que destrói lentamente.
Escolheste o momento,
o dia,
para ficares com as flores todas para ti
e os louros e os aplausos.
Mas há quem morra ainda pelo infinito,
e não precise de aplausos.
Que louros?
Que buscas e nunca encontras?
Aqui ou ali não há nada assim.
Trata-se de um caminho.
Já te disse.
Sei que essa força ainda existe em mim,
de buscar o caminho,
com a coragem toda que me resta e que há no mundo.
E sinto que a mentira não conseguiu cavar um buraco verdadeiro,
porque não tem a certeza de nada.
Não conseguirá porque em mim essa palavra não tem sentido.
Sabes, Não sou capaz de suportar mais a tua incapacidade intrínseca de me perceberes,
Porque eu sou capaz de olhar a morte nos olhos,
e eu sei que não desviarei o olhar por falta de coragem.
Mesmo que saiba antecipadamente que essa batalha está perdida,
que estarei sozinho nela.
Mesmo assim, não tenho o direito de desistir.
Porque nós, às vezes, vencemos a morte certa.
Basta olhá-la nos olhos e não saber mentir-lhe.
Porque há palavras mágicas,
que resistem a sair de todos os dicionários do mundo,
as palavras ditas entre camaradas,
a verdade.
Outra vez a palavra,
desculpa,
que já não te sei dizer outra coisa.
Sim, a verdade pode ficar apenas como um apelo da liberdade que nasceu naquele dia
que tu não entendes como sobrevive.
Não é preciso trabalhares muito para sentires,
tenta, é preciso apenas tentar ser autenticamente livre
dizer a verdade sem o medo.
É este o segredo desse dia.
E desse apelo, no futuro, ninguém saberá, nenhum de nós,
Porque é difícil travar um processo destes.
Simplesmente porque tentam destruir a nossa memória toda.
E muita gente continua a trabalhar neste momento para isso, sabes.
Tudo se vai compor, tu vais ver.
E aí não haverá nada disto em que tu te tornaste,
flor de plástico.


IX
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(sérgio guimarães)

Por isso, lembras-te daquela flor,
plantada no beiral do telhado da torre,
mesmo ao lado da nossa casa?
Lembras-te?
verdadeira,
autêntica.
Desculpa, outra vez.
Essa flor autêntica estava isolada,
sempre esteve.
Aquela flor que só nós dois sabíamos.
Era linda.
A forma como ela viveu naquele Verão sem água.
E nós olhávamos e não percebíamos.
Há flores que não precisam de alimento.

Estava ali porquê?
Não porque fica bonito uma flor na beira do telhado,
ou porque uma flor pode existir em todo o lado.
Nem mesmo porque as flores são flores.
Estava ali só porque nós estávamos ali.
Lembras-te?
Havia esperança.
Tu tinhas medo que a beira do telhado caísse.
Que nos magoássemos.
Mas acreditavas sempre que não,
que a flor morresse.
Eu também acreditei que não.
Mas essa flor morreu, sem que o telhado caísse.
Tu disseste que deixaste de acreditar.
Bastava que um deixasse de acreditar.
Mesmo que o telhado caísse ela permaneceria lá,
se acreditássemos.
Ela era capaz.
Sabes porquê?
Porque era o nosso olhar.
Mas tu fugiste,
enquanto eu olhava aquela flor,
todos os dias.
Sabes onde está essa flor agora?
Não está já aqui.
resta a memória da pergunta por ti
e todos os dias a tua resposta,
estou aqui.

Sabes que nunca esqueci
que espero ainda
que a flor renasça?
Espero outra vez como foi a liberdade
de te ver e de me ver
no interior de liberdade que me deste.
E fico triste de te ver agora fria e longe,
e de me ver longe dos teus olhos de água,
com a felicidade que a água do rio das memórias e das lembranças reflecte
com o escândalo da luz da manhã.
Não me tenta somente a memória da paz do sol dos teus seios
e a tua boca agarrada à minha língua, a mim.
Tenta-me querer pensar mais na tua possibilidade,
querer cantar o futuro numa carta do passado
remeter a carta para o futuro
que construí já moribundo.

É só a tua repetição que me falta,
o teu nariz que eu gostei de olhar
nas nossas conversas longas e únicas.
E os teus olhos que me chamavam para beijar
os teus olhos.
E eu caí, enfim, rotundamente na tua subtil e doce fuga,
imaginando o nosso medo
e o nosso amor magnífico.
E sei como nos perdemos
e como se perdeu a tua calma,
a minha calma.
Na dança da noite.

Espero calando a dificuldade,
que o dia passe,
que passe o dia seguinte
nem que escreva contra ti com todas as palavras,
a criança inconcebível que me tornei,
a minha dor e o amor todo que ela consome.
Porque me debruço
na tua doçura omissa,
quando tu me procuras para te procurares também?
Escrevo, e arrisco à minha volta o meu sentido e o teu,
para não fugirmos assim do terreno vazio que eu escrevo.
Escrevo para não morreres na minha ausência.
Não a forma do vazio da carne,
ou a carne.
É todo o teu desaparecimento,
a flor,
e dentro de ti a flor que eu deixei de ver
quando acendo a luz,
não és tu
não é nada.

X
Não é o facto da situação ser complicada de explicar e de perceber.
É o facto de tu nem sequer quereres falar comigo depois desse dia.
De qualquer coisa.
Baixas a cabeça,
ficas embaraçada.
foges.
Sentes-te mal.
Queres esquecer aquele dia,
até o dia em que nasceste.
É grave.
Fico triste.
Parece que queres apagar tudo, como se apaga um ficheiro informático.
Não me queres ver.
É a pior coisa.
Já te disse que se fosses verdadeira gostava de te encontrar,
poder falar contigo sem que tu fujas.
Imagina que passava por ti agora e convidava-te a beber um café
ou uma cerveja em qualquer sítio perto de ti.
Tu nem respondias,
ou dizias não.
Ou mesmo se nos encontrássemos num encontro fortuito, baixarias a cabeça.
Agora baixas a cabeça.
Deu-te para isso.
Parece que nem me vês.
Há algum tempo, tu sabes.
Isto não tem futuro é simples,
se tu não mudares,
se não fizeres um esforço.
Quero que percebas.
É simples.

E peço desculpa.
Sim, peço desculpa,
para que tudo fique claro.
É que as palavras podem não ser bem interpretadas.
Pode acontecer,
E o que é mais razoável,
é que não saiba dizer precisamente aquilo que quero dizer.
Mas quanto a isso não há nada a fazer.
Daí, e desde já, as devidas desculpas, mais uma vez.
Digo isto porque mesmo assim preferia falar-te.
Dizer-te, por exemplo, quanto o trabalho cansa.
Mais o trabalho que existe ainda por fazer.
Mas tu queres que não te diga nada,
que fique calado.
Mas há coisas que gostava de explicar.
Uma vaca sem princípios, eis o que eu não sou.
Há uma certa dignidade nesta profissão de ter princípios, sabes.
Há alguma dignidade no seu cheiro.
Posso falar um pouco desse cheiro.
Lembras-te do cheiro dos princípios?
É certo que deve incomodar
lembrar.
Mas peço desculpa também por isso.
Já ninguém se lembra,
nenhum de nós.
Sabes que há quem não se lembre de não ser perseguido pela memória?
Devia ser possível esquecer.
As pessoas deviam ter o direito de esquecer o que quisessem.
Basta olhar para elas, devia ser possível.
Mas essa deve ser a marca do humano, essa impossibilidade.
Não direi uma palavra acerca do cheiro terrível dos princípios e das regras.
Estamos na União Europeia, o lixo deve ser separado,
E as pessoas sabem,
plástico de um lado, papel do outro, vidro noutro.
Lixo bem separado.
O cheiro da pobreza que acompanha a pobreza
é difícil de compreender.

XI
E tu sentes-te encurralada,
horrível e feia
porque choras.
Porque trocas tudo,
porque queres esquecer,
e porque precisas de carinho.
É da importância de te sentires
parte de um plano
maior que tu
para voltares
manietada
ao mundo que mudou já vezes sem conta
para ti.
Sim, o mundo que tu e eu mudamos
e tu nunca soubeste
manter
vivo.
Antes negá-lo nos braços de uma criança demagoga e triunfante.
E arrependes-te
do jogo
da estratégia
da condenação sumária
e do pontapé
que deste com força em tudo.
Preferes ressuscitar
os mortos que já morreram
e que querem voltar a viver.
É isso que te põe ainda mais pequena,
e que te mata.
Mesmo as conversas
à tua volta
ferem-te antes demais nada a ti.
Já estás a sentir.
Sim, quando ouves a história triunfante da criança hipócrita
que tudo o que queria era ser expulsa do seu mundo
e do lugar adulto que a recolheu criança.
É a história da criança que sonha ainda voltar a sonhar,
e voltar ao lugar adulto
quando for adulto.
É a história da criança hipócrita que se gaba de poder ser ainda criança
e se ri como se riem os parvos
e porque tem direito ao mundo,
anterior ao dia em que nasceste.
Mas nada mais interessa no mundo?
É impossível.
Tu dizes que já não podes voltar ao lugar de onde te roubaram,
de onde tu fugistes do presente e do futuro
para o passado,
antes de nasceres.
O lugar onde não te sentes
parte daquilo de que fazes parte.
E é por isso que nem sequer olhas
como no passado olhavas.
E começas a sentir
Vergonha,
embaraço.
E tudo isto porque a história do mundo
não passa de uma história do encobrimento da verdade.


XII
É por isso que antes de contar a história daquele que se recusa,
devido à sua insignificância, a pronunciar a palavra,
é melhor ouvir os pássaros e sentir o aroma das manhãs de primavera
onde tu não choras.
Sim porque os pássaros também têm algo para nos dizer.
Para te dizer.
As suas opiniões a respeito das coisas que nos rodeiam, por exemplo.
Pode pensar-se que o testemunho dos pássaros não é confiável,
por serem pássaros.
Por não terem uma profissão mais digna que voar,
ou até por não te interessarem os pássaros,
o que eles dizem
antes de acordares triste e chorares.

Mas tudo é ou resulta de uma escolha
e a escolha, seja ela qual for,
resulta sempre da liberdade
imensa que é voar.
E a voz e o voo dos pássaros terão sempre que ser respeitados.
O meu respeito é pelo respeitável voo
dos pássaros que não pedem respeito
porque não sabem pedir.
Querem apenas que os deixem voar,
Aqui e ali.
uma expressão que se ouve muito.

Quanto à verdade ela mesma,
a verdade da existência dos pássaros
não se pode dizer que ela exista,
não arrisco tal juízo,
simplesmente ela é difícil.
A parvoíce é uma coisa insondável,
como a incerteza,
como tudo.
Mas também ela deve ter os seus limites.

XIII
Sendo assim, aí vai algo acerca do teu e do meu mundo.
O mundo é diverso,
como dizia um amigo que já não vejo há muito tempo.
Não sei porquê.
Sabes, eu também não sei porquê
mas tenho uma saudade incrível do mundo verdadeiro.
É o tempo.
Deve ser o tempo que passou.
Não penso que sejamos todos parvos, por não sabermos porquê.
Antes pelo contrário.
Mesmo que não existissem parvos tudo estaria na mesma.
Por estas bandas é assim.
O dia continuaria frio e ventoso,
e continuaria a chover,
como agora.
No entanto, apesar de tudo,
das nuvens e da chuva,
do teu choro logo pela manhã
e do sol que teima em não voltar,
tudo está inexplicavelmente calmo.
Pode ver-se toda a calma do mundo naquele homem que adormece na sanita,
ou nos cães magros e cansados que se deitam debaixo da quietude das árvores todas.
E mesmo nos velhos que se procuram nas montras
e nas notícias calmas dos jornais antigos.
Nada inquieta ou quer inquietar,
é por isso que tudo obedece a esta quietude inexplicável,
nem uma só folha se mexe,
nem uma só folha cai.
Nem sequer uma folha caduca cai.
Nem as putas suadas encostadas nas esquinas das ruas se mexem para falarem com os clientes
e consigo próprias.
Nem sequer as ervas mais frágeis e quase invisíveis se mexem com o vento.
Nem o cheiro dos princípios mostra alguma actividade.
As gentes daqui dizem que é na quietude que se pode ver todo o sentido do mundo.
Mas nos prados nem uma só vaca se mexe, nem para a frente nem para trás.
Estão cansadas e têm fome,
e não se mexem.
E eu não espero por ti,
que mudes
apesar do que sinto.

Sim, apenas se vê o teu choro
e o cheiro a princípios em forma de nuvem
inundando as tuas noites,
culminando o pesadelo de mais uma noite e um dia,
dia após dia,
até quase solidificar na saturação do escuro
e da saudade do dia claro e dos pássaros
que já não existem,
o seu voo e na sua voz.
E por isso que nada tem lógica
e nada acontece nas noites escuras
e nas manhãs em que choras.
Mas eu gosto mais de falar dos pássaros
que também já desapareceram.

XIV
Não se pense que a minha referência é pois a eficácia dos pássaros,
nem a objectividade do seu voo. Nada disso.
É a beleza e o mistério do voo dos pássaros.
Aqui nunca ninguém ganhou uma taça por saber isso.
A minha referência é essa,
o prazer desse acontecimento,
o nosso prazer e a nossa beleza no interior desse acontecimento,
é o acontecimento em nós,
é o desejo por si só,
de voar,
de ser livre,
ou as sensações do prazer e da partilha do prazer, de voar
e da utopia realizada.
Não a felicidade de uma criança hipócrita debruçada sobre o seu sonho.
Falo apenas da confusão da liberdade dos pássaros.
O segredo dessa liberdade.
O voo,
a magia.

Mas em nome de todas as conquistas da idade-média e moderna,
ninguém acredita que o voo dos pássaros é assim
o que é.
Quem acredita?
Sempre as mesmas pessoas, lindas e feias,
que não acreditam
em todas as épocas.
Os que olham vagamente apenas para si quando olham
vagamente através das montras as notícias boas dos jornais antigos
ou as garrafas cheias nos expositores dos cafés.
E nunca acreditaram.
E olham entre si com olhares cúmplices.
Não olham para os pássaros nem para ti quando tu eras diferente,
São os olhares vazios que se resignam a olharem apenas,
à espera que tu chegues,
enquanto tu esperas o primeiro autocarro.
E tu corres como uma máquina
apavorada pela rua,
à tua procura,
como se fugisses
quando entras no vazio do olhar que olha apenas.


XV
sanpayo.gif
(Sanpayo)

Mas sabes que passam perto de mim de cigarro na boca apenas os poetas?
São os últimos.
São os poetas que ficam
para depois de morrerem
Estas coisas sem beleza nenhuma
que já se disseram até hoje não lhe interessa.
Os poetas que ficam para serem lembrados em leituras apressadas,
porque não se acredita já em ninguém
nem nos poetas,
nem naquilo que nos acontece agora.
Não pode acontecer nada.
Nem a vinda das flores e dos pássaros na primavera.

Bem, já ouvimos muitas histórias de acontecimentos
e é altura de pensarmos seriamente
no choro das tuas manhãs.
Falta pouco tempo.
E sabes que toda a gente se devia meter no escuro
para pensar melhor na importância do sol,
dos dias e das manhãs,
das flores e dos pássaros,
Até na eficácia e na liberdade
do voo dos pássaros.


XVI
É de manhã e chove.
E de repente eu lembro-me e pergunto-me novamente,
porque choras?
E eu espero debaixo de uma tenda de circo a resposta.
E escrevo.
Espero que a chuva passe
e que passe o teu choro.
Que tu acordes para as manhãs como acordam as crianças verdadeiras.
Felizes.
E os dias verdadeiros,
tu vais ver que nascem diferentes e claros,
sem se embaraçarem, contradizer ou negar.
E que as flores e os pássaros voltam.
E que os dias não se escondem debaixo do tapete
para nada,
como se os dias não tivessem gente dentro
e ninguém notasse.
Ou os dias acabassem
e o seu público não aparecesse,
para testemunhar a autenticidade do dia.
A tua autenticidade,
que tu tentas esquecer.
E não dizes porque chove lá fora
e porque choras
os dias que se transformam em noites.
A tua luta silenciosa
com a tua consciência das coisas.

É por isso que eu não te encontro em lado nenhum.
Agora.
Olho e não te encontro.
E já procurei mesmo nas pedras da calçada.
No meio das pedras.
Até nos jardins que desapareceram,
no lugar das flores que já não existem,
e encima das árvores mortas
onde costumavam ficar os pássaros,
Procurei em todo o lado,
e não consegui encontrar-te no dia claro que eu sinto.
Procuro, procuro,
e não te encontro sequer nas palavras
o que tinha para te dizer.
É difícil a arte de tocar-te e de te esquecer
sem a tua presença.


XVII
Penso pois em ti,
porque choras nas manhãs
quando acordas
e te lembras de ti
e de tudo
e de todos os princípios das coisas
e do mundo verdadeiro
que foi o teu
que eras tu
da forma que tu foste.
Mesmo quando o vazio toma conta de ti
e dos dias sem as manhãs que tu contas,
que tu teimas em não encontrar,
não desistas.
E eu previ também encontrar-te
no teu lugar,
dentro de ti,
o agora dos pássaros e das manhãs que eles cantam.
É por isso que eu te pergunto,
porque choras quando acordas de manhã
se o vento e a chuva são necessários para que as flores cresçam?
os dias mais cinzentos não podem fazer-nos desistir.
É verdade que o sol transforma tudo,
os dias escuros ficam dias claros.
É quando aparece a ciência toda dos pássaros.

Por isso deixa lá,
se o sol agora se esconde atrás das manhãs
quando tu choras nos dias que também choram.
Como hoje.
Agora.
Por mais que chores.
Amanhã será outro dia, mais um dia.
Mas, sabes, mesmo as lágrimas que tu choras são necessárias ao mundo.
Para que o mundo tenha mais sentido,
tu podes dizer que afinal agora és mais não sei o quê.
Que não és nenhum monstro.
Que és tu.
E isso basta?


XVIII
Olha quero dizer-te mais uma coisa,
É tudo.
Não é nada.
É qualquer coisa que não sei explicar.
Qualquer coisa muito densa
e frenética,
que me perturba.
Sinto tudo à minha volta.
Mesmo palavras.
Vejo palavras no ar,
no sitio do oxigénio.
Respiro-as,
como-as,
vomito-as.
Tudo porque também eu não consigo explicar, nada.
É difícil dizer-te que me afasto cada vez mais
de ti
e que estou mais perto
de mim.
Que prefiro o longe
onde já não comunicamos
Porque já não sabemos a hora
nos olhos um do outro
nem estamos perto
dentro da palavra longe.
Porque tudo é adiamento
da tua palavra
verdadeira.
Desculpa.
silva.gif
(vieira da silva)

fernando


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Sexta-feira, 18 de Março de 2005

para TI

O mundo está aí,
É agora.
Será sempre mundo.
É um estranho
Dentro e fora de ti e de nós,
Indizível,
Inexplicável.
É uma pena.

Há apenas uma esferográfica
Nos dedos indecisos de um poeta vazio.
Uma folha branca
Onde nada está ainda dito.
E há uma dor diferente de todas as outras,
Inominável.
Uma dor que gera um constrangimento sem significado,
Que me cala o poder dizer-te:
Vês, é um buraco.
Não há lá nada agora.
É tudo.

Tem apenas cuidado!
Se há uma ferida tua no mundo,
Porque há o deixar-nos perder
Na guerra dos mundos.
Na tendência das opiniões.
Tudo para um lado ou para o outro.
A questão da higiene,
Do não-espanto,
As coisas pequenas,
Os nossos dias.

Por isso, nunca te esqueças de Parménides
Nem tenhas medo de ti
Ou das tuas perguntas.
Tenta sempre resolver todos os equívocos
Que se possam gerar no vazio que há também à volta do buraco.
O futuro.
Porque havendo a história dos dias que passaram,
Há também os dias que ainda não vieram.
Todos os dias são estrangeiros quando começam.
Tal como tu e eu nos tornamos estranhos.
Os dias são estranhos que apelam por um refúgio em ti e em mim.
Os dias esperam uma resposta clara.

E nunca te esqueças que há um estar somente no mundo
Que somos todos muito pequenos.
Não te apropries de nada.
Nem queiras lucrar com os teus esforços extraordinários.
O trabalho é apenas trabalho.
Não te domicilies na ideia de posse de uma casa,
Não queiras ter um remetente ou uma morada só teus.
Está certo não te rodeares de coisas que não são tuas
Não são minhas.
No limite, não são de ninguém.
Nunca pares.

Eu sei que é difícil,
Pois isto é o mundo,
Um lugar onde existem paradoxos megáricos.
Lembras-te?
Nós estávamos mergulhados na dúvida gerada,
Como se um mentiroso se tivesse confessado a nós,
E nós não soubéssemos como acreditar.
Mesmo que agora a saudade te faça querer voltar atrás,
Isso vai ser violar o tempo
Uma lei Irreversível.
Mas inevitavelmente confrontar-te-ás novamente com a dúvida,
O tempo dos megáricos,
E cairás na mesma tentação de pensar que te menti.
Porque não demos um lugar às nossas coisas.
As nossas coisas não podem tornar-se mais importantes que o mundo.

No mundo existem milhares de lugares,
Onde existem também coisas feias e bonitas.
Onde há pedras e flores.
Onde há outras coisas que não são pedras nem flores.
Onde se arrisca fazer pontes entre todos os lugares.
E toda a gente fica espantada.
No mundo também se arrisca desfazer.
Muitas vezes não se arrisca.

Por mais que te esforces e que eu me esforce,
Acabamos por não saber mais nada.
Mas foi contigo que aprendi tudo.
Que não se pode voltar atrás.
Que os nossos erros não se apagam.
Que erramos depois de errarmos.
Que ambos nos sentimos sempre encurralados e perdidos
No meio da folha branca que nos separa.
Um lugar onde nos sentimos sós
Sem nos apercebemos de nada.
Nem sequer acerca da brancura falamos alguma coisa.
Acontece que ainda não sabíamos que éramos quem éramos,
Quase nada.
E que a vida é assim, bela.
Apesar de nada estar escrito.

Por isso, nunca te entregues a algo fácil.
Nem te afastes de ti nunca.
Apesar de tudo, lembra-te.
Mesmo que estejas ou vás estar longe,
Recorda-te que há outras coisas além de ti.
Há o mundo.
Há uma utopia
Onde somos todos irmãos que te chamam camarada.
E camaradas que nunca te trairão
Antes do virar da página.

Pode ser que haja uma coisa bonita num lugar suspeito.
Por exemplo, uma pedra.
Pode ser que haja uma pedra pequena que sente e que chora.
Tu sabes em que se despedaça uma pedra?
As pedras que se despedaçam
Transformam-se em areia.
Que a areia é quase como a água que seca num rio.
Sim,
Há rios que não vão dar ao mar.

fernando

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Domingo, 13 de Março de 2005

Uma tomada de posse sem beija-mão e quase sem mulheres.

Sem parágrafos, ficamos a saber que Sócrates gosta de Freitas do Amaral, tanto quanto gosta de António Costa, a serem verdadeiras as imagens difundidas. Bem, talvez goste mais de Freitas do Amaral, que também não gosta de parágrafos quando muda de assunto. É como se fosse sempre o mesmo, mesmo quando não é. Socrates passou mais tempo a falar com ele, quase sempre de costas para António Costa, em certos momentos. Quando se gosta duma pessoa fala-se com ela, olha-se para ela, e procura-se estar ao lado dela o tempo todo. Viu-se qualquer coisa de profundamente errado ali. Foi isso que aconteceu durante a tomada de posse do novo executivo, de significativo.
Ficamos a saber que, de qualquer forma, aqueles são os dois únicos homens com permissão para falar por conta própria. Embora Freitas do Amaral tenha uma espécie de prioridade. Foi isso que aconteceu depois da cerimónia. Freitas do Amaral foi o único que falou. Disse que o seu ministério terá «três grandes prioridades. Em Portugal, estão definidas há trinta anos. A Europa, as relações transatlânticas e os países lusófonos». Foi isto que disse aos jornalistas à saída do Palácio da Ajuda, depois da posse do executivo. Freitas do Amaral disse ainda que nunca comparou o presidente norte-americano a Hitler e lamentou que essa ideia tenha passado para a opinião pública. Presumivelmente irá fazer as pazes com Bush, como fez com África, com a Europa, com Soares. Porque teve sempre algo em troca, algo que resulta sempre e sempre num benefício pessoal. A sua sobrevivência e a sua gordura sorridente e católica serão ainda maiores. Ah, o tal currículo que, segundo o principal ideólogo da direita, é um dos dez melhores. Que terá agora como prenda?
Ficamos também a saber que as mulheres socialistas se indignaram com as declarações de Sócrates. Segundo este, não há no PS mulheres suficientemente preparadas a nível político e técnico para integrarem um governo socialista. De facto, há um défice feminino no Governo, onde há somente duas mulheres. Sócrates disse que as mulheres «não sabiam a dificuldade que é formar um Governo». Este não é tão amigo das mulheres quanto o Sócrates grego.
Também soubemos que não houve beija-mão e que o anterior governo, que não tinha sido eleito, ficou sentado na primeira fila até ao fim, a vê-los passar. Pela primeira vez uma coisa destas aconteceu. Mais um castigo para o governo cessante e também mais um castigo para os parolos que gostam destas coisas de apertar a mão a um político. O tal "Portugal das oportunidades", a que se referia o agora primeiro-ministro, se calhar acabou antes de começar. Até a uma próxima oportunidade.

fernando

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Quinta-feira, 10 de Março de 2005

O PS adoptará uma política de direita

Engraçadíssimo. As pessoas não sabem que política adoptará o PS. Um governo com ministros de todas as cores. Resta saber para onde cairá o pêndulo. Globalmente.
Já vimos que este PS é um compromisso entre o PS soarista, depois de ser metido na gaveta, e o PS guterrista. Estão lá os símbolos de ambos, todos os símbolos. O punho fechado, que simboliza a força, a indignação e a revolta da classe mais desfavorecida. E está lá a rosa, que não significa nada, além de um certo encantamento e aroma. Isto não é não gostar de flores. O problema é a metáfora política, o pântano associado a ela. Possivelmente há flores num pântano, mas não rosas.
Sim, é evidente que a intenção inicial não era essa. O cravo tem outro significado, teve. Também foi ultrajado. As pessoas começam a ter vergonha de aparecerem de cravo na mão. Talvez já não sintam a metáfora, e desconheçam até. Foi há muito tempo, 30 anos. Da mesma forma, já ninguém canta a Grândola Vila Morena sem se enganar ou esquecer. Já ninguém canta quase. É aí que a "metáfora viva" dá lugar à metáfora morta, usando uma expressão de Paul Ricoeur, aqui deslocada.
E é aí que está tudo a morrer, a verdade, a transparência de que fala o BE, a esperança, a confiança, a credibilidade, a responsabilidade, o rigor, a estabilidade, a coerência, a diferença entre a esquerda e a direita, alguns famosos, o Papa e até o Fidel Castro.

fernando

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Sábado, 5 de Março de 2005

PS: um partido de alterne político

Finalmente apareceu Sócrates, agora sem Vitorino. Talvez porque este será candidato a presidente da república. Este PS irá fazer tudo para que Vitorino seja eleito. Irá acabar de vender-se. Não só o PS. Todos aqueles que, à semelhança de Freitas do Amaral, querendo permanecer na ribalta, só não renunciam à sua ideologia ao Domingo de manhã. Querem permanecer na ribalta, como se tivessem eternamente direito a ela, como se ela lhes tivesse sido prometida por Deus para sempre. Não hesitam em mentir à sua volta. São as rolhas da esquerda, que retiram todo o carácter que restava à esquerda. Fogem à menor dificuldade, sobretudo quando o pântano que criaram se prepara para os engolir. E é por isso que, mais uma vez, não há grandes novidades. Tudo continua a mesma coisa. Os oportunistas conseguem o que querem. Fora isso, há um repúblico pretensamente de esquerda no governo, o que já não é mau de todo. Pretensamente, porque esta é também pretensamente ainda a época da suspeita e da incerteza, o que é a mesma coisa.
A esquerda parece aceitar este jogo, que se consubstancia no tal centro, teorizado pelo afilhado do Marcelo Caetano, que toda a gente ouve doze horas depois da missa, sem questionar, como se tratasse do padre que os acalmou de manhã. Uma boa forma de acabar o dia, em paz. Há alguém que os compreende de manhã à noite. Alguém que tenta explicar as vantagens da fé e de comer fora à sexta e ao sábado. Fala para todos aqueles que renunciaram às ideias que englobavam também os outros, que nunca tiveram coragem de defenderem sozinhos uma ideia de comunidade. Fala também para aqueles que nunca tiveram uma ideia para nada. Fala para aqueles que trocaram tudo por um pouco mais de dinheiro e de reconhecimento dos outros, por um contrato de trabalho mais vantajoso, mas que sabem que nunca mereceram.
A esquerda parece sentir-se atraída por essa plêiade de oportunistas que só pensam em si próprios, que nunca arriscaram uma palavra ou uma ideia além do egoísmo silencioso por que pautam a sua existência no mundo. Permanecem em silêncio de forma calculada, olhando apenas os pratos da balança. Calculam o momento certo de saltarem fora ou dentro sem pensarem nunca na questão da ética e da justiça. São como ratos que abandonam um barco, apenas querem manter o emprego, acabar de pagar o empréstimo da casa e o carro, ter direito a férias, manter os filhos num colégio privado. Os outros que se lixem.
E talvez este seja o grande desafio da esquerda hoje, saber quem no seu seio tem uma utopia de esquerda. O caminho está a ser metodologicamente traçado para que no futuro não possa haver distinção entre partidos. E restará apenas a diferença de serem mais que um partido, que se vão alternando no poder. Partidos de alterne que se prostituem sem embaraço.
A esquerda jamais poderá ir por aí, por esse caminho que eles indicam com os olhos ternos e doces, com os braços estendidos, aos domingos. Não podemos cruzar os braços perante aqueles cuja única glória consiste em criar um abismo entre nós e um mundo mais justo. Para que existam pessoas que não se arrastam, para que não haja pessoas que seguem o vento em vez de seguirem o seu próprio caminho, é necessária mais um pouco de coragem. Mesmo que longo, difícil e cheio de obstáculos, o caminho a percorrer não é o mesmo caminho pantanoso que nos indicam na homilia. A utopia é aquela ideia clara que se levanta sempre que a tentam derrubar, é uma ideia que corre, grita, luta, expõe o seu sangue. Não podemos ser aqueles que se tornaram velhos sem terem uma história de coragem para contar aos jovens. Não podemos ter medo do abismo que nos rodeia, que nos cerca em dado momento. Sejamos loucos.

fernando

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Quarta-feira, 2 de Março de 2005

O que é a inteligência?

"Tamanho do cérebro dita muito do insucesso escolar", foi assim que um estudo efectuado no Departamento de Antropologia da Universidade de Coimbra brindou toda a gente com o atroz regresso do geneticismo, encontrando uma relação entre perímetros cefálicos maiores nos rapazes e boas notas. O sucesso como uma dependência de factores genéticos. Mas a grande questão será responder primeiro a uma pergunta basilar, o que é a inteligência? E ninguém sabe o que é. Há quem diga até que há agora uma inteligência chamada emocional, que sempre houve.
Acontece também que esta investigação não teve em conta o facto de pessoas vivas não serem pessoas mortas. Uma pessoa não é um osso. As pessoas vivas são muito mais complexas que as pessoas mortas, e o número das variáveis tornam-se imensas.
Não chega debruçaram-se sobre as médias de dez disciplinas de alunos da Escola Básica 2/3 Guilherme Stephens, da Marinha Grande, ou o facto de a maioria dos pais pertencer ao mesmo estrato social. Como se tentando controlar a influência das variáveis externas, colocando todos os alunos em condições semelhantes, seleccionado apenas jovens que nasceram com mais de 2500 gramas, amamentados a leite materno, pertencentes a famílias biparentais, dextros, sem disléxia e sem problemas de visão, elas fossem realmente controladas.
Analisaram-se também as médias do 1º período, altura em que "não há ainda pressões sobre os professores para passar os alunos", explica Hamilton Correia. O que é interessante aqui, é ver até que ponto o investigador ignora os motivos pelos quais os professores avaliam os alunos, que cada vez mais tem menos a ver com o seu desempenho escolar. Terá avaliado também a inteligência dos professores? E mais importante que isso, a sua própria inteligência?
O passo seguinte foi medir a estatura e o perímetro cefálico dos jovens. Até se concluir que, sobretudo nos rapazes, os de maior perímetro cefálico eram os de notas mais elevadas. Que grande estupidez...

fernando



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Domingo, 27 de Fevereiro de 2005

Morreu o fundador da Amnistia Internacional

peterbenenson.jpgpeter benenson

O fundador da Amnistia Internacional, Peter Benenson, morreu na sexta-feira à noite, no Hospital John Radcliffe, em Oxford. Tinha 83 anos. Benenson fundou a organização em 1961, quando tinha 40 anos, depois de ter lido um artigo que relatava a detenção de dois estudantes que tinham feito um brinde à liberdade num café de Lisboa.
A Amnistia, actualmente com 1,8 milhões de membros, é a mais importante organização independente de defesa dos direitos humanos.
«Ele levou a luz às prisões, denunciou o horror das câmaras de tortura e a tragédia dos campos da morte pelo mundo», disse Irene Khan, secretária-geral da organização em comunicado. «Foi um homem cuja consciência brilhou num mundo cruel e terrível, que acreditava no poder das pessoas simples fazerem mudanças extraordinárias e, ao criar a Amnistia Internacional, deu a cada um de nós a oportunidade de mudar as coisas. Em 1961, a sua visão deu origem ao activismo em favor dos direitos humanos. Em 2005, deixa atrás de si um movimento mundial em favor dos direitos humanos que não morrerá jamais», acrescentou.
O seu sentido contestatário notou-se desde muito cedo. Quando estudou em Eton, a escola da elite britânica, escrevia ao director a queixar-se da má qualidade das refeições da cantina.
Nascido a 31 de Julho de 1921, filho mais novo de um banqueiro judeu de origem russa, Peter Benenson morreu resistindo às sucessivas tentativas dos sucessivos governos britânicos de o condecorarem. Respondeu sempre com um extenso enunciado das violações da Inglaterra aos direitos humanos.

http://web.amnesty.org/library/index/engorg100012005
http://www.amnistia-internacional.pt/sobre_ai/dudh/dudh1.php

fernando

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Domingo, 20 de Fevereiro de 2005

Não deixaremos talvez de ser pobres

084.jpg(imagem tirada da net - 084.jpg)

O PS ganhou por maioria absoluta mas ninguém festejou. Não se viram as bandeiras de rosas, nem se ouviram os gritos de vitória e a euforia normal. Não se pode dizer que o PS tenha conseguido seja lá o que for. Não havia alternativa. Era o prato do dia. E depois, ninguém gosta de comer um prato que ninguém tinha pedido. É normal o resultado destas eleições. Como sempre foi normal nos últimos 30 anos. O voto no PS foi uma carta branca dada por pessoas sem ideologia. É o que se diz no mundo da opinião. Pessoas que afinal de contas querem apenas viver um pouco melhor. Apesar da palavra confiança continuar a ser uma palavra, já ninguém a sabe dizer bem ou sentir sequer. Mesmo "olhar para a frente" somente pode não ser boa ideia.
Estamos numa encruzilhada, como entre dois caminhos. Aqueles mesmos de Parménides. Um caminho difícil e outro fácil. O caminho fácil é sempre mais apelativo, não é preciso fazer nada, como se fosse sempre a descer. Acaba num abismo, e nós sabemos que acaba num abismo. Mas é o mais fácil. É como se esse caminho fosse o caminho da alternância democrática entre os dois maiores partidos, mais uma vez. Nada irá portanto mudar significativamente. Sim, as coisas sempre iguais, mas de outra forma. Talvez devido à lei física da irreversibilidade do tempo, a nossa experiência não será exactamente a mesma porque nada se pode repetir, mas será quase a mesma.
Apesar das mentiras de um e de outro, rumo a esse abismo, uma flor será sempre uma flor, o sol vai continuar a levantar-se de manhã, previsivelmente maravilhoso como sempre, ou talvez amanhã possa haver chuva ou apenas nuvens. E os pássaros, mesmo que tentem matá-los e eles morram, nunca conseguirão virar do avesso a história dos pássaros. Porque é impossível esquecer tudo isto. É de nós que nos esquecemos sempre, antes de mais. Mesmo a palavra confiança, que é apenas agora uma palavra, dita já no futuro, será sempre confiança. Com todas estas palavras, e mesmo com todas estas recordações e promessas impossíveis, com tudo isto ou mesmo sem nada disto, tudo será mais ou menos como antes.
A boa notícia é a subida do Bloco de Esquerda e as consequências dessa subida no partido da mesmidade, o PP. O definhamento do PP e a demissão de Paulo Portas foram boas notícias. Um dito execrável na despedida, «em nenhum país civilizado do mundo a diferença entre os trotskistas e democratas-cristãos é de um por cento». Ainda bem que as pessoas que habitam este pequeno lugar são mais internacionalistas que xenóbofas. É bom sentir que todos nós não passamos de hóspedes deste acolhimento dado pelo lugar que habitamos e que nunca pode ser de ninguém. É aconselhável a Paulo Portas a leitura de Levinas. Poderá assim perceber um pouco melhor porque perdeu todas as metas por ele estabelecidas.

fernando

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Quarta-feira, 16 de Fevereiro de 2005

Debate a 5-1

Um debate onde só o silêncio falou. Logo no início uma parte da esquerda calou-se. Afónica. De tanto falar até agora sem que ninguém ouvisse. Sintomático da crise que vai nas ideias, e não só nas ideias. Mas continua a ter esperança essa parte da esquerda. E saiu de cena sem sair de cena. Mas outra parte da esquerda ficou para depois do intervalo. O silêncio tinha falado pouco daquilo que permanece em silêncio, dos postos de trabalho em perigo no sector têxtil e da esperança. O ruído foram os 200 balcões que não pagaram impostos por estar previsto na lei que quem tem dinheiro não paga impostos. Ficou por saber exactamente de quem é a culpa. Também não era muito dinheiro. A culpa deve ser dos outros. Do PSD não é, por causa da conjuntura internacional. Talvez a culpa não seja de ninguém, de nenhum português, salvo do Guterres, uma espécie de Vitor Baía, um boy em quem toda a gente gosta de bater de algum tempo a esta parte. Neste governo de inimputáveis convictos nunca houve culpados. Nem o PP de Paulo Portas, que delega toda a responsabilidade das coisas más no PSD.
Quanto ao resto, Santana Lopes apareceu de gravata preta. Vinha preparado para chorar. É preciso gente responsável, que pareça e que apareça, nem que seja com os filhos num dia de carnaval, vestido de primeiro-ministro, passeando pelos mesmos recantos dos jardins de São Bento, onde Salazar gostava de perder tempo a olhar tudo o que fosse pequeno. Podia ter chorado se quisesse, em directo, mas não precisou e também não havia teleponto. Era arriscado, demasiado arriscado, chorar de improviso. A vidente Lúcia tinha morrido. Já no dia anterior tinha morrido. O tempo também era pouco, não dá para tudo. Mas vinha preparado para chorar.
O presidente quer políticos responsáveis e bem preparados. Já há muito tempo que diz isso. Santana Lopes, além de ser capaz de chorar como um menino de colo, já disse que quer emagrecer o próximo governo. Sócrates não engorda desde os dezoito anos. Paulo Portas um dia destes casa para poder ter filhos. O outro já tem filhos. De outra forma só com o seu voto no Bloco de Esquerda poderá ter filhos, mas ninguém acredita que Paulo Portas o faça. No fundo, todos sabem o que é a vida, ou querem saber e querem que os outros saibam. Simpatizo com o outro, embora cometa umas calinadas quando se chateia. Embora pareça sempre chateado.
Há palavras que já metem nojo na boca dos políticos, competência, credibilidade, confiança. Paulo Portas repete-as incessantemente, sabe-as de cor e salteado. Diz que com mais de 10% o PP garante que ninguém morre neste país. Mesmo aqueles que ainda não nasceram. Tal como a igreja, o PP também defende o direito à vida. Di-lo como se ninguém mais o defendesse. Como se isso fosse uma bandeira da direita e da extrema direita. Este é um país de bandeiras. Há-as por todo o lado. Pode ser que se consiga combater o desemprego que se atingiu por estas bandas sem a esperança e sem a voz do PC. Talvez com mais bandeiras, mas ninguém sabe bem como importá-las da China antes das eleições. Não houve consenso também aqui, nem acerca da culpa nem acerca daquilo que é realmente importante, o que fazer? Segundo Sócrates é um valor trágico e a culpa é nossa, andamos para trás. Santana Lopes diz que a culpa é da conjuntura internacional, da qual somos dependentes. A culpa é sempre dos outros. Nós não temos soluções. O PC diz que temos que ter esperança, o que é pouco ortodoxo. E precisamos de um ano ou dois para que isto mude, diz Louçã. Mas ninguém sabe já lá muito bem o que são dois anos e se é muito ou pouco tempo. Ninguém sabe se daqui a dois anos é sequer no futuro.

fernando

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Terça-feira, 8 de Fevereiro de 2005

A campanha eleitoral começou

A campanha eleitoral começou ontem. A Comissão Nacional de Eleições vai gastar cerca de 350 mil euros com uma campanha contra a abstenção. Que ridículo. É verdade que as pessoas andam confusas, desesperadas, entregues a si próprias. Já não acreditam. Pensam que o oportunismo e a esquizofrenia se abateram sobre a classe política, de tal maneira que agora já ninguém sabe bem quem é quem. Quer dizer, Santana Lopes diz que sabe quem é. Mas como o "ser" é sempre o mesmo, deve então ser o mesmo Santana Lopes reaccionário e de extrema direita que andou na Universidade.
Cavaco Silva, tal como o outro (e este outro não é o outro do desconstrutivismo), também quer ou espera ou acredita que o PS ganhe as eleições por maioria absoluta. A igreja católica decidiu entrar na corrida. É a favor da vida. Que vida!? Ninguém está a gostar da intromissão, salvo o PP, que tenta capitalizar em forma de votos a ignorância e os preconceitos e toda a confusão que ainda resistem por aí, claro.
Mais um passo e vai toda a gente parar a um psicanalista qualquer, e é aí que ficamos definitivamente malucos, com atestado autêntico. E aí somos inimputáveis. Oficiais. Malucos. Ou antes, parvos, tolos. Se calhar porque não há ninguém que nos diga e que nos convença, que há leis e que as leis não são más, as fundamentais pelo menos. Bastava seguí-las. Bastava que não entrássemos numa deriva prometaica e não paríssemos leis umas atrás das outras, como se a justiça viesse sempre tarde ou como se tivéssemos esquecido a justiça. Não basta legislar. É necessário estar diante da lei, não acima da lei, ao ponto de nem sequer a vermos, escutarmos, sentirmos. As leis não são perfeitas, é certo. Nós não somos perfeitos. Mas é diante da lei que podemos aperfeiçoar o Homem e aperfeiçoar a lei. Só assim uma lei pode mudar e alcançar uma justiça mais justa. Basta que para isso sejamos um pouco racionais no que diz respeito à coisa pública. Que saibamos distinguir um demagogo numa multidão, pelo menos isso.

fernando

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Sexta-feira, 4 de Fevereiro de 2005

Houve debate?

Cópia de TreinoBenfica.jpg(imagem retirada da net)

Houve debate? alguém viu? alguém teve tempo? Ou antes, tiveram mas não quiseram desperdiçá-lo? Sabiam que no dia seguinte, hoje, até os jornais desportivos iriam referir o debate. Foi um mau jogo de futebol.
Hoje, de facto, as pessoas aperceberam-se que o grande tema verbalizado, ou seja, consciente, foi o boato, o fundamento da política, a sua causa primeira.
Mas havia um outro grande tema, que nunca foi tema, porque sempre falta, e por isso inconsciente, o do tempo. O grande problema foi sempre o problema do tempo, dos seus limites, do seu fim. Havia semáforos. Havia o tempo que restava ainda a cada um dos candidatos e o tempo que cada um dos candidatos já teve e desperdiçou. Por isso a crispação, a má disposição, os gestos excessivos e quase violentos, a ameaça de olhar olhos nos olhos, a falta de comcentração, a falta de imaginação e, por fim, o boato e a mentira. E depois, ainda havia o tempo que demoramos até nos apercebermos que afinal de contas assistir àquele debate era também uma perda de tempo.
Já não há tempo e já ninguém tem tempo, o que no sentido heideggeriano podemos caracterizar como um depositar do véu sobre a "verdade do ser". É tão fundamental o ser como o tempo, "Ser e tempo". É por isso que o boato se sobrepôs a todos os temas possíveis, porque esquecemos esse tempo sem tempo, sem começo e sem fim, infinito. O nosso tempo já não é o tempo, é uma forma de opressão, que vem dos relógios. É o tempo dos relógios que nos assusta e nos faz correr para o abismo, como genialmente satirizado no Papalagui.

fernando

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Quinta-feira, 3 de Fevereiro de 2005

Freitas do Amaral ou o oportunismo

É engraçada a forma como o PS tenta enquadrar Freitas do Amaral no seu seio ou, como agora se vai dizendo, no seu colo. No entanto, o homem, porque é uma pessoa, não me parece ser aquilo a que se convencionou chamar de "puta política". Nunca se deve reforçar uma ideia. A política por natureza é corrupção. Apesar da grande tentativa de Platão na República, nunca os políticos pensaram e nunca foram filósofos. É natural que o pântano, que Guterres nomeou sem descrever, exista. Freitas do Amaral parece ter feito recentemente, o prefácio de um livro de Garcia Pereira, sendo convidado a aparecer posteriormente no seu lançamento ao lado do fundador do MRPP, Arnaldo de Matos. Não é normal. Ou por outra, não devia ser. Parece ser tudo circunstancial. O Homem já não é ele mesmo. Aliás nunca foi. Nem sequer ele mesmo e a sua circunstância. Pura e simplesmente, o Homem já não sabe o que é. É só a circunstância. Comporta-se como um náufrago que se agarra até à atmosfera para se manter vivo.
Este é de facto um mundo pós-moderno. As ideias morreram, e as palavras já não querem dizer nada. Bem, gostaria ainda de acreditar que há qualquer coisa ainda no marxismo, e na esquerda em geral, que ainda existe e permanece ainda actual, e não é isto.

fernando

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Quarta-feira, 2 de Fevereiro de 2005

Que acabem os países e as fronteiras

iraquiano.jpg(autor desconhecido - iraque2005.jpg)

Prefiro ler as "Margens da Filosofia" de Derrida, e ver aí quão fundamental é o Outro, a Alteridade, a Diferença. A diferença não é a desigualdade. Só existe igualdade na diferença e diferença na igualdade. Não se confunda também esta igualdade com a mesmidade, outro termo filosófico. Sim, diferença, porque ninguém sabe exactamente quem é o outro. E também ninguém parece saber ou querer saber quem é esse Eu que diz saber quem é ele próprio. Já ninguém procura saber quem é, porque quase ninguém se procura a si próprio no encontro com o outro. Nem podemos dizer já como dizia Mário de Sá Carneiro, "eu não sou eu nem sou o outro, mas qualquer coisa de intermédio", o que é bem mais fácil de dizer.
E é por isso que a honra, a glória e o orgulho desembocam na xenofobia, são a xenofobia. Como poderia dizer talvez José Mário Branco, que se foda o glória, que se foda o orgulho, que se foda a honra e, já agora, que se foda Portugal também se tiver fronteiras. Se calhar mesmo sem fronteiras, que se foda Portugal.
Gostava que o mundo não fosse feito de fronteiras e preconceitos. É aconselhável ler, e neste caso específico, ler acerca da origem da desigualdade entre os Homens. Sim, ler novamente Rousseau e concluir, tal como ele, que a origem da desigualdade entre os Homens está na propriedade, a origem das fronteiras e da xenofobia.
E continuando a citar Rousseau, é preferível ser paradoxal que preconceituoso. E é por isso que digo tal como Derrida, cosmopolitas de todo o mundo mais um esforço.

fernando

publicado por ... às 04:21
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Terça-feira, 1 de Fevereiro de 2005

Direita não

cumonismoviva[1].JPG
Enquanto a esquerda insiste em estar fora de si, distraída, perdida no erro cometido, enquanto isso, há que pensar na melhor forma de sair daqui, deste rectângulo "mal frequentado". A realidade está a ficar demasiado perigosa, pantanosa. Cada vez mais pantanosa. A esquerda já quase não é de esquerda. Basta olhar à nossa volta, para outra pessoa, para nós. Ninguém é quem é. Quando olhamos para nós de manhã quando acordamos, é como se não olhassemos. Quando alguém nos chama e não respondemos, é como se tivessemos respondido. E no entanto até podemos saber que ao esquecemo-nos do outro esquecemo-nos de nós também. É uma pena.
Isto só se aguenta se se pensar nas coisas como se não existissem. De outra forma teríamos de confrontar-nos com o tribunal da nossa própria consciência. É tudo cada vez mais aparente, mesmo a ética ou a justiça. Talvez possa haver ainda uma espécie de lugar que nunca acabe e onde não acabe a justiça. Que esse lugar exista para lá do futuro.
É por isso que isto não nos interessa e não merece a nossa atenção. Vivemos num sítio, pior do que diz o outro, onde numa mesma pessoa o fraco toma o lugar do forte. Não são precisas duas pessoas para haver uma pessoa forte e uma pessoa fraca. Basta haver uma. Aí é que está o problema. Este é um lugar onde não se pensará no futuro, porque é um lugar onde o nosso lado fraco é forte e o forte é fraco.

fernando



publicado por ... às 18:38
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